Análise Crítica
O amigo Marcos Godoy foi muito feliz em trazer à tona a discussão sobre o preconceito racial em nosso blog (ver sua postagem abaixo), pelo menos em 3 aspectos, a saber: 1º) em colocar uma reportagem do jornal O Globo (maio de 2011), cuja pontua a discussão sobre o preconceito na obra de Monteiro Lobato frente o parecer do Conselho Nacional de Educação, que queria proibir algumas obras do autor supracitado nas escolas, e o não acatamento pelo então Ministro da Educação naquela época (Fernando Haddad); 2º) por emitir o seu “julgamento” (no sentido kantiano) frente a essa discussão, a qual é muito pertinente, mesmo passado mais de um ano o início de tal discussão; e 3º) como todo bom texto, permite ao leitor novas reflexões e também abertura à crítica, a qual é ferramenta de qualquer pessoa que aspira a pensar.
Após ler o texto de Godoy gostaria de dar minha contribuição e fazer algumas considerações sobre o contexto histórico. Na verdade, ele não é um pretexto de ser favorável ou não a algum evento/fato histórico, ou seja, ele não é um argumento de julgamento, mas sim de entendimento, de compreensão e explicação das ações humanas.
Neste sentido, um conceito que pode nos facilitar tal entendimento é o de Utensilagem Mental, de Lucien Lefrebvre, o qual junto a Marc Bloch, inauguraram a Escola dos Annales (ambos fazem parte da 1ª geração de historiadores desta vertente histórica). Segundo este conceito, é preciso ao ofício do historiador – mas aqui não só a este profissional, mas àqueles que trabalham numa perspectiva interdisciplinar do conhecimento dito humanas -,
"inventariar em detalhes e depois recompor, para a época estudada, o material mental de que dispunham os homens desta época; através de um esforço de erudição, mas também de imaginação, reconstruir o universo, físico, intelectual, moral, no meio do qual se moveram as gerações que o precederam; tornar evidente, de um lado, a insuficiência das noções de fato sobre tal ou tal ponto; por outro lado, o estudo da natureza engendraria necessariamente lacunas e deformações nas representações que certa coletividade histórica forjaria do mundo, da vida, da religião, da política".
Ou seja, tudo isso permite dizer que o indivíduo é sempre o que o seu meio social e época o permitem. Dessa forma, olhando para as décadas de 30 e 40 (produção escrita de Lobato no que se refere à literatura infantil), percebe-se que há um forte resquício do sistema escravocrata que vai além destas décadas mencionadas acima, e no caso dele, analisando sua origem social, mostra como ele representava a sua realidade social (representação no sentido de Bourdieu). Além disso, é importante mencionar que a eugenia (política do branqueamento via imigração europeia) era uma política governamental do Estado brasileiro (período de Getúlio Vargas). E não somente a elite branca era a favor da eugenia (o preconceito se faz presente numa grande maioria branca, isto é, não é vinculada somente ao fator econômico, e sim ao social, às mentalidades. Nota-se também, que no sistema escravocrata havia “preconceito” dentre os próprios escravos, os quais quando conseguiam certa “ascensão social”, como alguns escravos de ganho, usavam sapatos, para se distinguirem daqueles que trabalhavam na lavoura.
Em resumo, a questão da tentativa de proibir a obra de Lobato (ver a reportagem do jornal O Globo mencionada por Godoy) ou de outras obras como, por exemplo, Lolita, de Nabokov e Minha Luta, de Hitler não me agrada, por ser uma tentativa de esconder uma incompetência de nossa sociedade atual em encarar com maturidade as dificuldades históricas pelas quais passamos, além de mostrar a falta de soluções para enfrentar, atenuar e resolver tais problemáticas. Ainda, não podemos ler o passado com “as lentes” do presente (mesmo que isso seja um grande paradoxo), e sim utilizar o passado para fazer comparações, para evitar erros no presente e no futuro, no intuito de construirmos de fato uma sociedade mais plural seja do ponto de vista “racial”, religioso, político ou cultural, cuja base seria o respeito à diversidade e de uma sociedade menos desigual socialmente .
Enfim, nesta perspectiva, cabe ao professor de literatura e de história trabalharem em prol de que Monteiro Lobato fazia parte de sua época e de determinado tipo de pensamento, e que havia também outras pessoas com pensamento diferente, mostrando que este escritor foi preconceituoso sim, numa sociedade na qual o preconceito não era exceção; mas, mais do que isso, cabe ao ofício destes profissionais as problematizações, tais como: como o negro era visto após a abolição?; quais eram as visões existentes sobre o negro?; como e quando o negro começou a ganhar voz social?; como foi e é feita a inclusão do negro na sociedade após 4 séculos de exclusão?; se hoje há preconceito, e se sim, como ele se difere e/ou se assemelha com os das décadas de 30 e 40?; o que podemos fazer para viver numa sociedade – brasileira – na qual os negros – pelos processos históricos – foram excluídos, e evidentemente são os mais afetados quando se aponta pesquisas sociológicas de acesso ao mercado de trabalho e aos estratos sociais A, B e C?; e trazer à tona as dificuldades encontradas por mulheres que são negras e pobres no acesso aos serviços básicos e essenciais, como apontam várias pesquisas.
E somente o conhecimento da área de humanas pode ajudar na construção de novas mentalidades – aqui fica uma crítica àqueles que pensam na irrelevância do pensamento e enxergam o mundo de maneira operacional, devalorizando as ciências humanas.
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