ENTREVISTA/THEREZA CHRISTINA ROCQUE DA MOTTA, editora, poeta e tradutora
Por BRUNO CALIXTO
Integrante do grupo seleto de tradutores de Shakespeare no
Brasil, a paulista Thereza Christina Rocque iniciou sua busca por
aventuras pelo mundo editorial pelas "frestas" da Universidade
Mackenzie, onde se formou em direito. Hoje, Thereza é a proprietária da
Editora Ibis Libris, no Rio, autora de 12 livros de poesia e duas
publicações em que consta a tradução dos 154 sonetos deixados pelo autor
inglês.
Há 12 anos morando no Rio, ela esteve em Juiz de Fora
durante a Páscoa, para visitar poetas e amigos locais, e conversou com a
Tribuna sobre seu ofício.
Tribuna - Poeta por opção, advogada por formação e editora e tradutora por profissão. Como a palavra entrou na sua vida?
Thereza
Motta - Desde pequena, quando minha mãe lia poemas para mim. Aos 8
anos, ela leu "Meus 8 anos" de Casimiro de Abreu, que ele escreveu aos 8
anos. "E se ele escreveu um poema aos 8 anos de idade dele, a idade que
você está fazendo hoje é muito importante", disse ela. E isto me
impactou. Ela gostava muito de poesia, e sempre tinha um poema para ler.
Com 15 anos de idade, li Clarice Lispector - "Uma aprendizagem ou o
livro dos prazeres" - e tomei a decisão: vou ser poeta. É um livro de
iniciação da mulher em sua feminilidade, e me identifiquei com isso de
maneira espontânea, esse romance dela é revelador.
- Antes de Shakespeare, quais foram os autores que você traduziu?
-
Comecei a traduzir romances, livros de autoajuda e tudo o que surgia no
mercado para traduzir. A primeira foi para a Editora Lacerda chamado
"Instrumentos da noite" (de Thomas Cook) um best-seller americano, um
livro policial, depois fiz um segundo livro, comecei a traduzir para a
Ediouro, incluindo "Marley & eu", isso por volta de 2006.
- Da tradução para a publicação de livros...
-
Um amigo queria musicar um soneto de Shakespeare em português e meu me
pediu para traduzi-lo. Nunca gostei das traduções que lia de sonetos e
sempre quis fazer, mas achava que não tinha conhecimento de Shakespeare o
suficiente. Ao fazer essa tradução, gostei e parti para outras. Me dei
então o trabalho de estudar para traduzir poemas e cheguei aos "44
sonetos", meu primeiro livro.
- Qual foi a maior dificuldade em traduzir os sonetos de Shakespeare?
-
Escolher o caminho, porque eu não queria fazer como os outros, não
queria metrificar e rimar, mas reproduzir o conteúdo. Isso era mais
importante para mim, perdia o soneto, mas ganhava o poema. Não queria de
forma alguma seguir escola, não sou acadêmica. Li traduções muito duras
e erradas, para poder rimar colocam palavras que não são verdade. Não
foi o que Shakespeare escreveu, e eu queria ser fiel a ele. E como sei
inglês e sou poeta, acho que a tradução de uma poesia tem que passar por
um poeta. Quando comecei a mostrar às pessoas as traduções que vinha
fazendo, elas falavam que finalmente entendiam Shakespeare.
Evidentemente caíram em cima de mim, por causa da minha tradução
poética.
- Como foram as vendas?
- Estou na segunda
edição do último já. Depois que fiz os 44, um amigo sugeriu traduzir os
outros 110 que faltavam. Passei dois anos fazendo isso. E tinha um
propósito, 400 anos da primeira edição (1609 - 2009).
-
Com o desenvolvimento da internet, houve o aumento de traduções livres,
muitas vezes anônimas. Até que ponto a web é benéfica para o mercado?
-
Quando comecei a criar versões em inglês dos meus poemas, postava em
blogs de poetas americanos e mandava por e-mails. Esse grupo evoluiu
para outros. De tanto postar isso, passei a escrever em inglês, os
poemas começaram a sair em inglês. Foi espontâneo, mas levou nove anos
para meu cérebro fazer esta mudança. Aí publiquei um livro só com poemas
em inglês em 2002.
- Alguma tradução em vista?
-
Vou lançar em breve a tradução de um livro de poemas da Anne Morrow
Lindbergh, poeta americana que faleceu em 2001. Ela era mulher do
aviador Charles Lindbergh, que atravessou o Atlântico em 1927. E ela
escreveu um único livro de poesia, era uma autora muito querida nos EUA.
Ela teve Alzheimer no final da vida e já não tinha mais lembrança
nenhuma.
- Sobre sua experiência como editora, que veio na
faculdade, como foi o primeiro contato com o poeta juiz-forano Fernando
Fiorese?
- Comecei na década de 80 a publicar os livros do grupo
de poetas que estudavam na Mackenzie, era editora do jornal "Análise" do
DCE. A partir daí, fundei um grupo de poetas (ECO), e já fazíamos
antologias. Promovemos três concursos nacionais de poesia, entrando em
contato com todos os poetas do país, e um desses poetas foi Fernando
Fábio Fiorese Furtado. Ele ganhou o concurso em 1982 entre mais de 600
participantes e três poemas de cada um, portanto 1.800. Ele ficou em
primeiro lugar. Mantivemos contato por cartas, e só fui conhecê-lo
pessoalmente anos depois, quando lançou um livro no Rio.
- Mantém ligação com Juiz de Fora?
-
A última vez que estive aqui foi há dez anos, quando vim para rever o
Fiorese e conhece Iacyr (Anderson Freitas) e Edmilson (de Almeida
Pereira). E, recentemente, Gustavo Goulart, poeta que já publicou dois
livros e está no próximo. Assim que ele terminar de escrever, vamos
publicar. O Gustavo tem a capacidade de produzir mais com menos, e isso
me chamou a atenção. Como é que uma pessoa consegue escrever de maneira
sintética e completa? Um poema não precisa ser longo para ser bom, e
curto demais não dá para entender. Tem que ter essa habilidade. Só o
poeta consegue escrever tudo em poucos versos.
- Como define a poesia produzida por aqui?
-
Conheço menos a poesia do Edmilson e do Iacyr, mas tenho os livros. O
Iacyr é uma pessoa que me fala diretamente, o Fernando é uma pessoa que
tem um trabalho que gosto demais. São poetas que sempre tenho como
referência, como agora quando decidi vir a Juiz de Fora para visitar
poetas.
- Qual a relação da poesia com o amor?
- O
amor é o que faz o poema. Você só escreve o poema porque está em estado
de amor. Ou porque busca o amor ou acha que encontrou. Realmente, minha
temática são poemas inclinados a um ser amado. Consegui montar uma peça
de teatro, em que há um diálogo amoroso e poético entre um casal que
discute a sedução. Toda a construção parece um diálogo, mas é um poema.
- Por que escreveu "Os dez mandamentos do livro"?
-
Faço livros há 30 anos. A minha editora tem 12, mas no trabalho da
editora enfrento vários percalços. O ofício de fazer livros demanda
dedicação, principalmente os livros que publico, que são de poetas de
"primeira viagem". Então resolvi escrever dicas editoriais, contando
como é lidar com esses autores, porque todos eles têm os mesmos medos,
as mesmas dificuldades. Além de lidar com isso de maneira lúdica,
resolvi escrever os mandamentos para orientar sobre o que é importante o
autor saber antes de publicar seu primeiro livro. Acontece muito de um
escritor querer a atenção exclusiva do editor, e aí eu digo para ele
"querido, para você pode ser só este livro, para mim existem dez".
Nenhum é menos importante, mas são todos filhos. E isso o autor não
entende, e a falta de atenção que o autor imagina que o editor deu a ele
é motivo de muitas brigas.
- E quais são os "mandamentos" do editor?
-
É fácil errar. Você manda tudo direitinho para a gráfica, eles
conseguem fazer as coisas mais mirabolantes. Cada susto. Até escolher a
gráfica certa, acertar a diagramação... é uma briga. São percalços que o
autor vai passando mesmo. Enquanto você tiver querendo trocar palavra, o
livro não está pronto. O livro não é qualquer coisa, mas um ser. Um ser
que tem suas próprias vontades. Você, autor, é intermediário, não é o
dono do livro, porque ele é imortal e você não. E como vai guardar a sua
palavra não pode ter erro. E se está atrasando é porque ainda tem erro.
Seja um feriado ou qualquer imprevisto, é o livro falando. O curioso é
que os editores não contam o que acontece com eles, por isso criei
também os dez mandamentos do editor. A primeira regra é "não acredite em
tudo o que o autor diz".
- Qual é sua opinião sobre crítica literária feita atualmente no Brasil?
-
A pseudocrítica. Não existe mais a crítica, como há muitos anos. Hoje é
muito de panela. A gente sente que tem divisões de pessoas, e isso é
antiprofissional. O livro merece crítica, independentemente se você
gosta ou não do autor.
- Você se sente bem-sucedida?
-
Eu como pelas beiradas. Vendo aquilo que quase ninguém quer publicar e
muito menos ainda quer consumir. Poesia não é artigo de primeira
necessidade, mas todo mundo adora. Já me perguntaram se eu era doida por
publicar poesia, mas existe um mercado que é underground, porque
ninguém fala que sai para comprar livro de poesia. Como vendo poesia há
30 anos, sei que vende, só que não vende milhões de uma vez só. É sempre
aos poucos, mas constante. Foi assim que esgotei três edições do meu
livro de poesias. E três edições para um livro de poesias é muito. De
mil exemplares de "Areal", só haviam três, um num sebo em Juiz de Fora.
Comprei todos.
- E quanto à Ibis Libris, quais são as próximas apostas?
-
Estou com um livro da Astrid Cabral, uma poeta com bastante tempo de
experiência. Tem outros títulos sobre cultura, que abrange artes, como
música, teatro, inclusive estamos prestes a editar o livro dos 70 anos
de Caetano, que é um mestrado que vai ser publicado. Mesmo sem verba
vamos fazer, porque não vou perder a chance.
Não é verdade que a todo mundo adora poesia, a maioria sequer tolera.
ResponderExcluirTambém acredito que não seja um gênero muito apreciado não. Ás vezes as pessoas dizem que gosta, mas só para parecer chick.
ExcluirNa verdade, penso que é uma questão de educação: não fomos educados a ler poesia, mas por outro lado, há, atualmente, uma divulgação de poemas via saraus literários, que viraram "moda" pelo Brasil... acho que é uma chance de nos educarmos para esse gênero textual.
ResponderExcluir