domingo, 26 de fevereiro de 2012

Um pouco sobre o desencanto (de Bartleby?)

DESENCANTO

o desencanto
tem olhos liquefeitos
e mãos de unhas longas
tem gosto
e não tem pressa
já se assenta
com as botas sujas e pesadas
na sala de jantar
e nem se acanha
de não tirar o gorro da cabeça
quase não fala
e toma a sopa toda
que está por sobre a mesa
depois se guarda inteiro
e espera calmamente
que o fogo na cozinha
se apague lentamente
então se vai
sem preconceito e sem jeito
deixando à madrugada
que se esfria e esperta
a porta aberta
e a alma torta


Laene Teixeira Mucci

Ata da reunião de fevereiro de 2012


O livro escolhido para o mês de fevereiro foi Bartleby, o escriturário  de Herman Melville, autor do clássico Moby Dick. Segundo Fernando Sabino: "Por trás do véu da teimosia do funcionário, esconde-se um mistério kafkiano que desafiará o leitor até o fim dessa novela."
Estiveram presentes na reunião que ocorreu em minha casa: Raphael, Marcelo e Marcos. Todos concordamos que Melville consegue, em sua história, ser impactante ao tratar de um assunto cotidiano e universal, e, ao mesmo tempo, nos leva a pensar sobre essa "robotização" do cotidiano.
Nosso próximo encontro será dia 01 de abril às 18 horas na casa do Raphael, nesse encontro discutiremos o artigo A trajetória do negro na literatura brasileira - de Domício Proença Filho.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Modernismo e Raça Negra

O flautista, Portinari














Marcos Vinícius Ferreira de Godoy

A literatura e a pintura, desde o século XVIII, retratam o negro como incontestável integrante da história brasileira. O negro figura como personagem na literatura desde o Romantismo de Castro Alves em seu “Navio Negreiro”, bem como aparece nas gravuras de Debret do início do século XIX, durante o contexto da Missão Francesa contratada por Dom João VI. O modo pelo qual as artes literária e pictórica retratam o negro se mostra particularmente especial no advento do Modernismo, no início do século XX. No contexto da realidade social brasileira no início do século XX, o negro não havia logrado rechaçar, como ainda não o fez, as desigualdades sociais engendradas pela sua condição prévia de cativo, recém-liberto a partir da assinatura da Lei Áurea em 1889. Da confluência dessas observações pode-se afirmar que o movimento modernista dos anos de 1920, além de ter contribuído para maior distanciamento entre a realidade social e a arte no período, não foi capaz de sequer mitigar as barreiras do preconceito racial no Brasil.

Verifica-se, no conjunto das obras do período, a caricaturização do negro, atitude essa discrepante das intenções de criação de uma identidade esteticamente genuína da realidade brasileira, conforme propalado no Manifesto Antropofágico de 1928. Macunaíma, o herói sem caráter de Mário de Andrade, primeiro negro na formação étnico-cultural do Brasil, é um tipo preguiçoso, consequência da escassez de água limpa para purificação de sua raça. Pode-se dizer que muito pouco da condição social do negro havia mudado desde a edição da lei de abolição da escravatura, havendo críticos que afirmam a ocorrência de depreciação das condições gerais de vida em função do abandono disseminado da população negra e sua substituição pela mão de obra imigrante. Em decorrência desses dois fatores, a caricaturização do negro pelos modernistas e sua estagnação social, outro aspecto, cuja ênfase se assenta na desconexão entre realidade social e produção artística modernista, surge com expressivo vigor.

O Modernismo, cuja origem foi em São Paulo, representa a associação de uma seleta elite intelectual abastada e branca, patrocinada pela economia em desenvolvimento do café. Para que a realidade social do negro fosse devidamente retratada pela arte de seu tempo necessário seria que aqueles artistas tivessem algum grau de identificação com o tema a ser representado. Não foi o que ocorreu. Partiram de uma idealização equivocada da realidade fundamentada em valores não compartilhados por classes sociais muito distantes entre si. Os modernistas retomaram a exaltação da cor local romântica, presente na supervalorização do ameríndio na prosa de José de Alencar, com o mesmo viés idealizante e desconexo da realidade vivida pelo destinatário dessa idealização.

As intenções aventadas pelo Modernismo em seu manifesto restaram frustradas quando, na tentativa de criação de uma arte genuinamente brasileira, as formas estrangeiras vieram a ser reproduzidas com a adição de elementos da cultura doméstica. O Modernismo poderia ser desse modo caracterizado antes como uma arte de transição, sem engajamento social ou sem compromisso com a realidade social. Não se debruçou, por sua vez, sobre as condições de posicionamento do negro na realidade social brasileira.

Preferiu-se, a despeito dos postulados de criação da brasilidade estética, a reprodução de antigas fórmulas artísticas com a inclusão de novos elementos, alçando o negro à categoria de objeto de arte, desconectado de sua relevância para a composição do tecido social brasileiro. Possivelmente, o distanciamento entre a arte e a realidade social perpetrado por meio do Modernismo contribuiu para a camuflagem do preconceito racial no Brasil, ao caricaturizar o negro como figura arquetípica, ao invés de apresenta-lo como um agente relevante na história do país.

Diante da inaptidão do movimento modernista em retratar, fielmente, o negro no espectro social brasileiro, resta a constatação de que a conexão entre arte e realidade perfaz ideal de difícil alcance. Necessário se faz que a produção artística se comprometa a obter um maior grau de engajamento com as realidades múltiplas que a rodeiam, permeável a suas tribulações e idiossincrasias. Sem essa perspectiva, a arte rende-se tão somente aos caprichos da forma, atividade-meio sem colimação de fins mais legítimos e auspiciosos.


Mestiço, Portinari

Bartleby: em outra linguagem

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Bartleby, O Escriturário – Herman Melville


A resenha abaixo, sobre o nosso livro do mês me deixou bastante curiosa e motivada à leitura.
Acho que vou adorar!!!



O escritor norte-americano que ficou conhecido por escrever o célebre romance Moby Dick, também foi autor de outras obras que merecem destaque. Durante muitos anos ele fora ignorado por grande parte da crítica. Só depois de algum tempo é que lhe deram o devido valor.
A presente obra, que trazemos nesta breve resenha, é uma novela intitulada de Bartleby: O Escriturário. O livro, divido em duas partes, foi trazido ao público anonimamente na revista Putmam’s Magazine em 1853. Três anos depois foi relançado em 1856 fazendo parte de The Piazza Tales.
A história é narrada por um advogado que tem em seu escritório três funcionários: Turkey, Nippers e Ginger Nut. Este trio de personagens tem suas peculiaridades. O primeiro, por exemplo, é um alcoólatra que durante a manhã trabalha bem, no entanto, ao entardecer torna-se extremamente mal humorado. Por outro lado, temos a figura de Nippers, que ao contrário do colega de escritório, não é viciado na bebida, seu problema se dá devido a uma indigestão crônica. Sendo assim, ele fica irritado constantemente no início do dia, mas durante à tarde torna-se calmo. Por fim, temos Ginger Nut, um office boy que tem o nome advindo dos bolos que busca para o chefe. Estas três personagens não possuem uma influência muito grande na narrativa. Porém, servem para demonstrar, como bem frisa o narrador, que eles trazem um equilíbrio perfeito ao escritório.
Apesar de tudo correr bem no local de trabalho, que é descrevido pelo advogado como  extremamente opressivo, cercado de prédios com paredes de tijolos enegrecidas, o narrador decide contratar mais um funcionário: Bartleby. O novo integrante do escritório é instalado atrás de um biombo que fica localizado entre a a sala do chefe e dos outros empregados. O sujeito logo de cara mostra-se uma pessoa competente para a profissão de copista. Ofício monótono e cansativo, que consistia em copiar inúmeras páginas de processos, algumas chegando a beirar quinhentas laudas. No entanto, um dia o advogado requisita que Bartleby, juntamente com outros trabalhadores do escritórios, que seja feita uma revisão nas cópias. O novo funcionário responde apenas: “prefiro não fazer”. É, a partir deste fato, as coisas começam a complicar-se, pois o copista sempre que é mandado realizar outra tarefa, esquiva-se sempre com as mesmas palavras: “prefiro não fazer.” Isto faz com o advogado tente entender o porquê da atitude do empregado. Para piorar a situação, o chefe descobre que Bartleby faz do lugar de trabalho sua casa. Sempre respondendo de maneira insatisfatória as questões que lhe são indagadas, ele decide de um dia para outro parar também de produzir as cópias. Neste ínterim, o narrador perde a paciência e fica obcecado em tentar descobrir a origem daquele comportamento e a história do funcionário insurgente.
A novela se desenrola basicamente no enredo explicitado acima. O leitor, do mesmo modo que o narrador, sente-se outrossim desesperado para saber os motivos que levaram o copista agir daquela maneira. Sendo assim, Melville conduz bem o texto com um certo mistério e algumas reflexões feitas pelo narrador sobre o novo funcionário, que ocupam a maior parte da obra.
Poder-se-á dizer que devido à época em que fora escrito Bartleby, O Escriturário, procurar refletir no tocante às condições do homem acerca do capitalismo, que no período já se mostrava forte. Alguns enxergam a personagem, na verdade, está rebelando-se contra a maquinização imposta por este sistema.
Esta pequena novela possuí poucos diálogos, às vezes o texto soa monótono. Porém, é sempre bacana conhecer uma boa história curta escrita no século XIX, ambientada em Nova Iorque. Ah! Cabe ressaltar que o livro teve adaptações para cinema, bem como para o teatro.

Texto postado em 05 de novembro de 2009 no blog: http://www.literaturaemfoco.com/?p=125