domingo, 29 de julho de 2012

Conheça Mrs. Dalloway


 A leitura do mês de julho do grupo Parazer da Leitura, o livro  Mrs. Dalloway, da escritora inglesa Virginia Woolf é um romance que tem um enredo simples e uma estrutura bastante fragmentada, isso faz com que o leitor tenha de ficar atento, pois é como se a narrativa fosse construída a partir das digressões de diversas personagens, criando, dessa forma, um mosaico de personagens que se misturam à Londres pós-guerra, ambiente da narrativa.


  

A narrativa começa com a personagem principal indo, pela manhã, comprar flores para uma recepção que irá dar naquela noite em sua casa. A partir das ações cotidianas dela e das outras personagens, "as viagens interiores", conflitos, crises de identidade e emoções vão sendo apresentadas, como se o cotidiano fosse abalado com as lembranças do passado e a crise do presente: é o fim da guerra despertando crises políticas, e é também, as crises pessoais de Clarissa, Petter, Richard, Elizabeth, Septimus e tantas outras personagens que vão se costurando e se mostrando na trama, com suasdores e fraquezas, apresentando-nos um grande mosaico de incertezas, lembranças e sonhos.

"Virginia Woolf insiste que a enormidade da vida não aparece apenas nos temas grandiosos que eram a inspiração do romance, e coloca um intenso dia-a-dia como persongem principal dessa história emocionante."






Para aqueles que gostam de ir além do livro, vale ainda ver o filme As Horas, de 2002, dirigido por Stephen Daldry, que é uma excelente leitura dessa obra de Woolf misturada com a biografia da autora, é uma boa maneira de conhecer Mrs. Dalloway. Para quem ainda não conhece o filme, segue o trailler:


http://www.youtube.com/watch?v=he8cR7skklA

domingo, 15 de julho de 2012

Sobre Mídia e a morte de Dom Eugênio Sales

O texto abaixo foi escrito pelo jornalista José Ribamar Bessa Freire e serve como reflexão sobre nossas memórias e as memórias construídas. É uma discussão válida e já proposta por historiadores que propõe a relação entre história/memória e reconstrução da história.





Dom Eugênio Sales era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura

POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE
O tratamento que a mídia deu à morte do cardeal dom Eugenio Sales, ocorrida na última segunda-feira, com direito à pomba branca no velório, me fez lembrar o filme alemão "Uma cidade sem passado", de 1990, dirigido por Michael Verhoven. Os dois casos são exemplos típicos de como o poder manipula as versões sobre a história, promove o esquecimento de fatos vergonhosos, inventa despudoradamente novas lembranças e usa a memória, assim construída, como um instrumento de controle e coerção.
Comecemos pelo filme, que se baseia em fatos históricos. Na década de 1980, o Ministério da Educação da Alemanha realiza um concurso de redação escolar, de âmbito nacional, cujo tema é "Minha cidade natal na época do III Reich". Milhares de estudantes se inscrevem, entre eles a jovem Sônia Rosenberger, que busca reconstituir a história de sua cidade, Pfilzing – como é denominada no filme – considerada até então baluarte da resistência antinazista.
Mas a estudante encontra oposição. As instituições locais de memória – o arquivo municipal, a biblioteca, a igreja e até mesmo o jornal Pfilzinger Morgen – fecham-lhe suas portas, apresentando desculpas esfarrapadas. Ninguém quer que uma "judia e comunista" futuque o passado. Sônia, porém, não desiste. Corre atrás. Busca os documentos orais. Entrevista pessoas próximas, familiares, vizinhos, que sobreviveram ao nazismo. As lembranças, contudo, são fragmentadas, descosturadas, não passam de fiapos sem sentido.
A jovem pesquisadora procura, então, as autoridades locais, que se recusam a falar e ainda consideram sua insistência como uma ameaça à manutenção da memória oficial, que é a garantia da ordem vigente. Por não ter acesso aos documentos, Sônia perde os prazos do concurso. Desconfiada, porém, de que debaixo daquele angu tinha caroço – perdão, de que sob aquele chucrute havia salsicha – resolve continuar pesquisando por conta própria, mesmo depois de formada, casada e com filhos, numa batalha desigual que durou alguns anos.
Hostilizada pelo poder civil e religioso, Sônia recorre ao Judiciário e entra com uma ação na qual reivindica o direito à informação. Ganha o processo e, finalmente, consegue ingressar nos arquivos. Foi aí, no meio da papelada, que ela descobriu, horrorizada, as razões da cortina de silêncio: sua cidade, longe de ter sido um bastião da resistência ao nazismo, havia sediado um campo de concentração. Lá, os nazistas prenderam, torturaram e mataram muita gente, com a cumplicidade ou a omissão de moradores, que tentaram, depois, apagar essa mancha vergonhosa da memória, forjando um passado que nunca existiu.
Os documentos registraram inclusive a prisão de um judeu, denunciado na época por dois padres, que no momento da pesquisa continuavam ainda vivos, vivíssimos, tentando impedir o acesso de Sônia aos registros. No entanto, o mais doloroso, era que aqueles que, ontem, haviam sido carrascos, cúmplices da opressão, posavam, hoje, como heróis da resistência e parceiros da liberdade. Quanto escárnio! Os safados haviam invertido os papéis. Por isso, ocultavam os documentos.
Deus tá vendo
E é aqui que entra a forma como a mídia cobriu a morte do cardeal dom Eugênio Sales, que comandou a Arquidiocese do Rio, com mão forte, ao longo de 30 anos (1971-2001), incluindo os anos de chumbo da ditadura militar. O que aconteceu nesse período? O Brasil já elegeu três presidentes que foram reprimidos pela ditadura, mas até hoje, não temos acesso aos principais documentos da repressão.
Se a Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio último pela presidente Dilma Rousseff, pudesse criar, no campo da memória, algo similar à operação "Deus tá vendo", organizada pela Policia Civil do Rio Grande do Sul, talvez encontrássemos a resposta. Na tal operação, a Polícia prendeu na última quinta-feira quatro pastores evangélicos envolvidos em golpes na venda de automóveis. Seria o caso de perguntar: o que foi que Deus viu na época da ditadura militar?
Tem coisas que até Ele duvida. Tive a oportunidade de acompanhar a trajetória do cardeal Eugênio Sales, na qualidade de repórter da ASAPRESS, uma agência nacional de notícias arrendada pela CNBB em 1967. Também, cobri reuniões e assembleias da Conferência dos Bispos para os jornais do Rio – O Sol, O Paiz e Correio da Manhã, quando dom Eugênio era Arcebispo Primaz de Salvador. É a partir desse lugar que posso dar um modesto testemunho.   Os bispos que lutavam contra as arbitrariedades eram Helder Câmara, Waldir Calheiros, Cândido Padin, Paulo Evaristo Arns e alguns outros mais que foram vigiados e perseguidos. Mas não dom Eugênio, que jogava no time contrário. Um dos auxiliares de dom Helder, o padre Henrique, foi torturado até a morte em 1969, num crime que continua atravessado na garganta de todos nós e que esperamos seja esclarecido pela Comissão da Verdade. Padres e leigos foram presos e torturados, sem que escutássemos um pio de protesto de dom Eugênio, contrário à teologia da libertação e ao envolvimento da Igreja com os pobres.
O cardeal Eugenio Sales era um homem do poder, que amava a pompa e o rapapé, muito atuante no campo político. Foi ele um dos inspiradores das "candocas" – como Stanislaw Ponte Preta chamava as senhoras da CAMDE, a Campanha da Mulher pela Democracia. As "candocas" desenvolveram trabalhos sociais nas favelas exclusivamente com o objetivo de mobilizar setores pobres para seus objetivos golpistas. Foram elas, as "candocas", que organizaram manifestações de rua contra o governo democraticamente eleito de João Goulart, incluindo a famigerada "Marcha da família com Deus pela liberdade", que apoiou o golpe militar, com financiamento de multinacionais, o que foi muito bem documentado pelo cientista político René Dreifuss, em seu livro "1964: A Conquista do Estado" (Vozes, 1981). Ele teve acesso ao Caixa 2 do IPES/IBAD.
Nós, toda a torcida do Flamengo e Deus que estava vendo tudo, sabíamos que dom Eugênio era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura. Se não sofro de amnésia – e não sofro de amnésia ou de qualquer doença neurodegenerativa – posso garantir que na época ele nem disfarçava, ao contrário manifestava publicamente orgulho do livre trânsito que tinha entre os militares e os poderosos.
"Quem tem dúvidas…basta pesquisar os textos assinados por ele no JB e n'O Globo" – escreve a jornalista Hildegard Angel, que foi colunista dos dois jornais e avaliou assim a opção preferencial do cardeal:
"A Igreja Católica, no Rio, sob a égide de dom Eugenio Salles, foi cada vez mais se distanciando dos pobres e se aproximando, cultivando, cortejando as estruturas do poder. Isso não poderia acabar bem. Acabou no menor percentual de católicos no país: 45,8%…"
Portões do Sumaré
Por isso, a jornalista estranhou – e nós também – a forma como o cardeal Eugenio Sales foi retratado no velório pelas autoridades. Ele foi apresentado como um combatente contra a ditadura, que abriu os portões da residência episcopal para abrigar os perseguidos políticos. O prefeito Eduardo Paes, em campanha eleitoral, declarou que o cardeal "defendeu a liberdade e os direitos individuais". O governador Sérgio Cabral e até o presidente do Senado, José Sarney, insistiram no mesmo tema, apresentando dom Eugênio como o campeão "do respeito às pessoas e aos direitos humanos".
Não foram só os políticos. O jornalista e acadêmico Luiz Paulo Horta escreveu que dom Eugênio chegou a abrigar no Rio "uma quantidade enorme de asilados políticos", calculada, por baixo, numa estimativa do Globo, em "mais de quatro mil pessoas perseguidas por regimes militares da América do Sul". Outro jornalista, José Casado, elevou o número para cinco mil. Ou seja, o cardeal era um agente duplo. Publicamente, apoiava a ditadura e, por baixo dos panos, na clandestinidade, ajudava quem lutava contra. Só faltou arranjarem um codinome para ele, denominado pelo papa Bento XVI como "o intrépido pastor".
Seria possível acreditar nisso, se o jornal tivesse entrevistado um por cento das vítimas. Bastaria 50 perseguidos nos contarem como o cardeal com eles se solidarizou. No entanto, o jornal não dá o nome de uma só – umazinha – dessas cinco mil pessoas. Enquanto isto não acontecer, preferimos ficar com o corajoso depoimento de Hildegard Angel, cujo irmão Stuart, foi torturado e morto pelo Serviço de Inteligência da Aeronáutica. Sua mãe, a estilista Zuzu Angel, procurou o cardeal e bateu com a cara na porta do palácio episcopal.
Segundo Hilde, dom Eugênio "fechou os olhos às maldades cometidas durante a ditadura, fechando seus ouvidos e os portões do Sumaré aos familiares dos jovens ditos "subversivos" que lá iam levar suas súplicas, como fez com minha mãe Zuzu Angel (e isso está documentado)". Ela acha surpreendente que os jornais queiram nos fazer acreditar "que ocorreu justo o contrário!", como no filme "Uma cidade sem passado".
Mas não é tão surpreendente assim. O texto de Hildegard menciona a grande habilidade, em vida, de dom Eugenio, em "manter ótimas relações com os grandes jornais, para os quais contribuiu regularmente com artigos". As azeitadas relações com os donos dos jornais e com alguns jornalistas em postos-chave continuaram depois da morte, como é possível constatar com a cobertura do velório. A defesa de dom Eugênio, na realidade, funciona aqui como uma autodefesa da mídia e do poder.
Os jornais elogiaram, como uma virtude e uma delicadeza, o gesto do cardeal Eugenio Sales que cada vez que ia a Roma levava mamão-papaia para o papa João Paulo II, com o mesmo zelo e unção com que o senador Alfredo Nascimento levava tucumã já descascado para o café da manhã do então governador Amazonino Mendes. São os rituais do poder com seus rapapés.
"Dentro de uma sociedade, assim como os discursos, as memórias são controladas e negociadas entre diferentes grupos e diferentes sistemas de poder. Ainda que não possam ser confundidas com a "verdade", as memórias têm valor social de "verdade" e podem ser difundidas e reproduzidas como se fossem "a verdade" – escreve Teun A. van Dijk, doutor pela Universidade de Amsterdã.
A "verdade" construída pela mídia foi capaz de fotografar até "a presença do Espírito Santo" no funeral. Um voluntário da Cruz Vermelha, Gilberto de Almeida, 59 anos, corretor de imóveis, no caminho ao velório de dom Eugênio, passou pelo abatedouro, no Engenho de Dentro, comprou uma pomba por R$ 25 e a soltou dentro da catedral. A ave voou e posou sobre o caixão: "Foi um sinal de Deus, é a presença do Espírito Santo" – berraram os jornais. Parece que vale tudo para controlar a memória, até mesmo estabelecer preço tão baixo para uma das pessoas da Santíssima Trindade. É muita falta de respeito com a fé das pessoas.  
"A mídia deve ser pensada não como um lugar neutro de observação, mas como um agente produtor de imagens, representações e memória" nos diz o citado pesquisador holandês, que estudou o tratamento racista dispensado às minorias étnicas pela imprensa europeia. Para ele, os modos de produção e os meios de produção de uma imagem social sobre o passado são usados no campo da disputa política.
Nessa disputa, a mídia nos forçou a fazer os comentários que você acaba de ler, o que pode parecer indelicadeza num momento como esse de morte, de perda e de dor para os amigos do cardeal. Mas se a gente não falar agora, quando então? Stuart Angel e os que combateram a ditadura merecem que a gente corra o risco de parecer indelicado. É preciso dizer, em respeito à memória deles, que Dom Eugênio tinha suas virtudes, mas uma delas não foi, certamente, a solidariedade aos perseguidos políticos para quem os portões do Sumaré, até prova em contrário, permaneceram fechados. Que ele descanse em paz!
P.S: O jornalista amazonense Fábio Alencar foi quem me repassou o texto de Hildegard Angel, que circulou nas redes sociais. O doutor Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, historiador e professor da Universidade Federal do Amazonas, foi quem me indicou, há anos, o filme "Uma cidade sem passado". Quem me permitiu discutir o conceito de memória foram minhas colegas doutoras Jô Gondar e Vera Dodebei, organizadoras do livro "O que é Memória Social" (Rio de Janeiro: Contra Capa/ Programa de Pós- Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005). Nenhum deles tem qualquer responsabilidade sobre os juízos por mim aqui emitidos.
José Ribamar Bessa Freire e professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)

fonte: http://www.tribunahoje.com/noticia/33322/brasil/2012/07/15/dom-eugenio-sales-era-com-todo-o-respeito-o-cardeal-da-ditadura.html
 
 Link para o texto da Hildegarde citado pelo autor:


sábado, 7 de julho de 2012

QUEM TEM MEDO DE VIRGÍNIA WOLF?


Quem tem medo de Virginia Woolf?: psicopatologia, tempo e criatividade em 
Mrs. Dalloway
Who’s afraid Virginia Woolf?: psychopathology, time and creativity in Mrs. Dalloway

Táki AthanáS Sio CordáS, Renato Luiz Marchetti

1
 Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP),
Programa de Transtornos Alimentares (AMBULIM) do IPq-HCFMUSP.
2
FMUSP, Ambulatórios do IPq-HCFMUSP, Projeto de Epilepsia e Psiquiatria (PROJEPSI) do Programa de Neuropsiquiatria do IPq-HCFMUSP



Resumo
Contexto: Há um crescente interesse na relação entre transtornos psiquiátricos, particularmente transtorno bipolar do humor e criatividade. Objetivos: Explorar 
a presença de aspectos ligados à vida pessoal e à história médica da autora inglesa Virginia Woolf, portadora de um transtorno do humor bipolar grave, em sua 
obra literária. Métodos: Foi utilizado como objeto de pesquisa um de seus livros mais importantes, Miss Dalloway, frequentemente citado como paradigmático 
do romance moderno. Resultados: A exploração de conceitos como a vivência do tempo e aspectos de suas experiências delirantes durante as fases da doença 
são descritos e analisados dentro de contexto psicopatológico. Conclusão: O brilhantismo artístico do uso de experiências pessoais vividas durante períodos 
de sua doença em Miss Dalloway não apenas enaltece a obra de Virginia Woolf, como abre interessante exemplo para o estudo da relação arte-doença mental, 
ainda pouco explorado na obra da autora.
Cordás TA, Marchetti RL / Rev Psiq Clín. 2011;38(6):261-4
Palavras-chave: Romance, modernidade, pós-modernidade, criatividade, transtorno bipolar.
Abstract
Background: There is a growing interest in the relationship between mental illness, mainly bipolar disorder and creativity. Objectives: To explore the presence 
of aspects linked to the personal life and medical history in the literary works written by English writer Virginia Woolf, who suffered from bipolar disorder. 
Methods: One of her most important books, Miss Dalloway, was used as a means of research. This book is often cited as paradigmatic of the modern novel. 
Results: The exploration of concepts such as inner time and aspects of delusion periods of the illness are described and analyzed in the context of psychopathology. Discussion: The artistic brilliance of using personal experiences during periods of her illness in Miss Dalloway not only praises the work of Virginia Woolf, 
as it opens an interesting example to study the relationship between art, mental illness, yet little explored in the work of the author.
Cordás TA, Marchetti RL / Rev Psiq Clín. 2011;38(6):261-4
Keywords: Novel, modernity, post modernity, creativity, bipolar disorder. 
Introdução
Adeline Virginia Woolf (1882-1941), nascida Virginia Bell, embora 
nunca tenha se autodenominado uma escritora moderna, é, junto 
com Joyce (Ulisses), Proust (Em busca do tempo perdido), Kafka 
(Metamorfose; O processo), Faulkner (O som e a fúria) e Alfred Dö-
blin (Berlim Alexander Platz), um dos mais representativos autores 
da chamada modernidade estética (aproximadamente 1890-1930)1
Crítica literária, ativista política, contista, biógrafa, Virginia 
foi uma das líderes do famoso grupo de Bloomsbury, que incluía o 
grande economista J. Maynard Keynes, os escritores E. M. Forster, 
Lytton Strachey, os pintores Vanessa Bell (irmã de Virginia) e Duncan 
Grant, o filósofo Bertrand Russel, Desmond MacCarthy – o melhor 
crítico dramático da sua geração –, entre outros. O chamado grupo de 
Bloomsbury se tornou um elemento decisivo na vida cultural inglesa 
da primeira metade do século passado, discutindo e divulgando temas 
como o feminismo, o socialismo e as teorias freudianas2
.
Virginia e seu marido, Leonard Woolf, publicaram pela Hogarth 
Press (1917-1938), sua própria editora, notáveis autores como T. S. 
Eliot, Katherine Mansfield, E. M. Forster, Rilke, Máximo Gorki e, a 
partir de 1924, os 24 volumes da edição inglesa de Sigmund Freud2,3
.
Virginia teve, aos 13 anos de idade, seu primeiro episódio do 
transtorno bipolar, que durou aproximadamente seis meses.
Seguiram-se vários episódios maníaco-depressivos psicóticos 
(1897, 1904, 1910, 1912, 1915, 1936, 1941), além de quadros interfásicos e pelo menos duas tentativas de suicídio. Em seu diário, 
recordava-se de um deles como uma “pulsação desenfreada, com 
um sentimento de grande excitação incontrolável, seguindo-se um 
estado da mais profunda depressão e autoacusação”4
.
Quando em elação, Leonard descreve que a fala de Virginia era 
incessante, o conteúdo paulatinamente tornava-se incoerente e já 
no dia seguinte ela piorava muito, a ponto de ter de ser segurada 
pelas suas enfermeiras (Virginia tinha quatro). Da mesma forma, 
descreve que, quando Virginia se apresentava em depressão, negava 
estar doente e se dizia culpada por tudo que ocorria5
.
Em 28 de março de 1941, escreveu duas cartas de despedida 
para o marido e sua irmã Vanessa, dizendo-se prestes a enlouquecer 
novamente e, temendo o paulatino retorno das alucinações auditivas, 
encheu os bolsos com pesadas pedras e afogou-se no rio Ouse, perto 
de Sussex. Para Leonard, dizia: 
“Queridíssimo, tenho certeza de que estou ficando louca outra 
vez: sinto que não podemos passar por mais uma dessas terríveis temporadas e desta vez eu não vou me recuperar. Começo a ouvir vozes 
e não consigo me concentrar. Por isso estou fazendo o que parece ser 
o melhor a fazer. Você me deu toda a felicidade que eu poderia ter. 


Você tem sido, sob todos os aspectos, tudo o que alguém poderia ser. 
Não creio que pudesse haver no mundo duas pessoas mais felizes, 
até que veio esta doença terrível. Não posso mais combatê-la, sei 
que estou estragando sua vida, que sem mim você poderia trabalhar. 
E vai, eu sei. Você vê que nem estou conseguindo escrever isso 
direito. Eu não consigo ler. O que eu quero dizer é que devo toda a 
felicidade que tive na vida a você. Você foi imensamente paciente 
comigo e tremendamente bom. Eu quero dizer isso e todo mundo 
sabe. Se alguém pudesse ter me salvado, esse alguém teria sido você. 
Tudo o que eu tinha se foi, exceto a certeza da sua bondade. Eu não 
posso continuar estragando sua vida. Não mais. Não creio que duas 
pessoas poderiam ter sido mais felizes do que nós fomos.”6
Metodologia
Foi utilizado como objeto de pesquisa um de seus livros mais importantes, Miss Dalloway, frequentemente citado como paradigmático 
do romance moderno.
Resultados
“Mrs. Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores.”7
Assim começa, em tradução de Mário Quintana, Mrs. Dalloway, 
publicado em 1925 e, segundo a opinião de muitos críticos, seu livro 
mais notável e que iniciou sua sequência de obras definitivas pelos 
próximos 16 anos de sua vida: O farol (1927), As ondas (1931), Os 
anos (1937) e Entre os atos (publicado postumamente em 1941)8
Tão importante, que Virginia era muitas vezes referida como Mrs. 
Dalloway por membros de sua família, segundo entrevista recente 
de Virginia Nicholson, sobrinha-neta da autora, ao jornal espanhol 
El Pais9
.
Tudo se passa num único dia enquanto Clarissa Dalloway, que 
já estivera presente em um conto anterior (Mrs. Dalloway em Bond 
Street), prepara uma recepção em sua casa para a mais frívola aristocracia britânica.
Esse é um romance moderno, diferente dos esquemas vitorianos predominantes, não sendo possível concebê-lo dentro dos 
cânones da época como um romance romântico, épico, de horror 
etc. Em cada ocasião em que é lido, algo diferente pode ser captado.                                          
Aqui se tentará fazer uma introdução a apenas três aspectos que podem ser destacados em Mrs. Dalloway: o papel da mulher, a vivência 
do tempo e os reflexos da própria doença de Virginia.
Clarissa Dalloway é o exato retrato da sociedade patriarcal e 
conservadora da época, a qual Virginia reiteradamente critica de 
maneira cáustica10
. Questões básicas humanas como a reavaliação 
de escolhas do passado estão todo o tempo assombrando Clarissa, 
que abdicou do amor por uma vida social e economicamente segura, 
casando-se com um político tradicional. Feminista avant la lettre, 
um de seus mais famosos textos é Shakespeare’s sister, incluído em 
A room of one’s own. Nesse trabalho, a autora conjectura o que teria 
acontecido se Shakespeare tivesse uma irmã tão talentosa quanto ele? 
Judith não poderia estudar como o irmão e precisaria ler escondida 
dos pais, teria de cerzir meias, cuidar do guisado e casar jovem. Aos 
17 anos fugiria de casa para Londres, onde tentaria expressar sua 
criatividade. Ridicularizada por querer representar no teatro, acabaria 
tendo um filho de um amante que a abandonaria… “matou-se em 
noite de inverno, e está enterrada em alguma encruzilhada onde agora 
param os ônibus em frente ao Elephant and Castle”10
.
A vivência do tempo é um dos principais aspectos do romance. 
O historiador Lewis Mumford, em seu mais famoso livro acerca do 
papel das máquinas e da tecnologia sobre nossa rotina diária, fala 
do que ocorreu após a invenção do relógio mecânico pelos monges 
na Idade Média: “o relógio é uma peça de maquinário cujo ‘produto’ 
são os segundos e minutos… dissociou o tempo dos eventos humanos, criando a fantasia de um mundo independente e de sequências 
matematicamente medidas”11
.
Aparentemente pouco acontece em Mrs. Dalloway; o dia marcado 
pelas batidas do Big Ben é um dia objetivamente comum, quase enfadonho. O leitor começa a perguntar-se onde está a história? Onde 
está o enredo? Mas internamente, o “tempo anímico e psicológico” 
(Santo Agostinho12
) dos personagens é intenso, o curso do tempo 
distancia-se do objetivo e se relaciona com as vivências, o presente e 
o passado misturam-se continuamente. As ações externas, o enredo, 
não têm de fato nenhuma importância.
Embora Leonardo Woolf afirme que Virginia não lera Bergson e 
que nem conhecia sua filosofia ou sua doutrina do tempo por outra 
fonte, a afirmação soa estranha, na medida em que sua cunhada 
Karin Stephen era uma estudiosa e publicou um livro sobre o filó-
sofo francês13
.
Diferentes críticos literários franceses, já poucos anos após a 
publicação de Mrs. Dalloway, faziam a aproximação entre as ideias 
bergsonianas de “durée reelle” (tempo interior vivido) e sua contraposição ao tempo exterior, o tempo do relógio, e a forma de tratar o 
tempo no romance. Acredita-se hoje firmemente numa importante 
influência de Bergson na forma de lidar com temas como o tempo, 
a memória e a intuição nas obras de Virginia13
.  
A questão do tempo e de sua vivência são há muito tempo de 
grande interesse psicopatológico14
. No seu livro Psicopatologia geral, 
Karl Jaspers aborda a vivência do tempo no capítulo sobre fenô-
menos subjetivos da vida psíquica mórbida, por meio do método 
fenomenológico. Nesse capítulo, Jaspers discorre sobre a estrutura 
básica da consciência, dentro da qual são vivenciados os diferentes 
fenômenos, objetos que se apresentam ao sujeito, como percepções, 
estados emocionais, desejos e outros. Os fenômenos são vivenciados 
dentro de um contexto global constituído por vivência de espaço e 
tempo, consciência corpórea e de realidade15
.
Ao abordar a vivência do tempo, Jaspers esclarece, de maneira 
preliminar, a diferença entre três aspectos psicológicos básicos: a 
capacidade de avaliar e quantificar corretamente um intervalo de 
tempo, objeto de estudo da psicologia dos rendimentos; o manejo 
do tempo, por meio do qual decisões são tomadas em função dos 
significados do tempo atual, passado e futuro no contexto de uma 
vida, objeto de estudo da psicologia dos significados; e, finalmente, 
a vivência do tempo, em que os aspectos qualitativos e subjetivos 
do tempo são experimentados15
. De nossa parte, gostaríamos de 
acrescentar que consideramos que o manejo do tempo, além dos 
aspectos significativos levantados por Jaspers, envolve também a 
capacidade de sequenciar as ações, o adiamento de impulsos e a 
tomada de decisões no tempo certo, as assim chamadas funções 
executivas, também objeto de estudo da psicologia dos rendimentos.
Os aspectos fenomenológicos básicos da vivência do tempo são 
a consciência momentânea da passagem do tempo, a consciência 
de duração de eventos passados imediatos, a consciência do presente em relação ao passado e ao futuro e a consciência do futuro. 
A consciência momentânea do tempo, de acordo com o método 
fenomenológico de Jaspers, corresponde à ideia de “durée reelle”, de 
Bergson16
. Compreendemos de maneira imediata quando alguém nos 
diz que o tempo demora a passar, num dia triste e enfadonho. Tal 
como outras propriedades primárias das vivências, como a cor de um 
objeto, ou o cheiro de uma flor, a passagem do tempo pode apenas 
ser descrita de maneira metafórica, o que torna especialmente vivas 
as descrições dos grandes artistas, como Virginia Woolf17
.
Há ainda aspectos reflexivos que envolvem a vivência do tempo, 
quando o homem, ao pensar sobre o tempo, desenvolve conceitos 
filosóficos (no Ser e tempo, de Martin Heidegger; a ideia de “durée reelle” de Bergson), artísticos (na música Oração ao tempo, de Caetano 
Veloso; na poesia Ah! Os relógios, de Mário Quintana; o conceito de 
momento decisivo, na fotografia de Henri Cartier-Bresson), religiosos (no demiurgo de Platão; no deus eterno dos cristãos), físicos e 
matemáticos (no conceito de espaço-tempo, de contração e expansão 
do tempo da teoria da relatividade geral de Einstein), que aqui são 
chamados de consciência reflexiva do tempo. Bergson e as suas ideias, 
que foram bastante populares e influenciaram a maneira como muitos 
conceberam o tempo, possivelmente se incluindo aí Virginia Woolf, 
demonstram o poder cultural que envolve as reflexões sobre o tempo.
Virginia descreve seus personagens por meio da apreensão de seus 
diálogos internos, do “stream of consciousness” (fluxo de consciência), conceito introduzido pelo filósofo americano William James.


(1842-1910) em The principles of psychology (1890)14
. Desaparecem 
em Mrs. Dalloway a perspectiva panorâmica, a presença onisciente do 
narrador. Não há mais uma realidade, mas diferentes perspectivas. Os 
pensamentos num fluxo contínuo vão e voltam, são amalgamados com 
estímulos sensoriais que se apresentam e são descritos numa instância 
por vezes desordenada, fragmentada, impressionista. 
Sobre esse movimento de livre associação de ideias pré-verbal, 
James afirma que os termos rio ou fluxo são as metáforas que melhor 
descrevem esse diálogo interno. Salienta que esse monólogo interior é 
totalmente diferente do solilóquio, pois neste último o pensamento é 
descrito de forma ordenada, sendo um recurso literário habitual. Tal 
forma de William James descrever a consciência antecipa em quase 
duas décadas o que será posteriormente desenvolvido por Husserl 
(1859-1938) com o método fenomenológico18
Essa extraordinária ferramenta fenomenológica permite a Virginia descrever o mundo interno de Clarissa e as vivências psicóticas do 
outro personagem-chave do romance, o ex-combatente da Primeira 
Guerra Mundial, Septimus Warren Smith. Ambos não se conhecem, 
nunca se encontram, e a vida de ambos corre paralela, a mundanidade 
de Clarissa se contrapõe ao pathos de Septimus.
Desde a Grécia Antiga, muito se tem discutido sobre as rela-
ções entre criatividade e doença mental. Uma maior revisão sobre 
o assunto não é escopo deste trabalho. Cumpre, porém, ressaltar 
que curiosamente a maior parte dos trabalhos estuda compositores, 
poetas, escritores e artistas do sexo masculino19,20
.
Da mesma forma, é importante notar que, embora Virginia 
apresentasse um quadro muito grave e de grande interesse psicopatológico20
, sua doença foi principalmente abordada de maneira 
interpretativa. Sua bissexualidade, seu feminismo, o abuso sexual 
na infância que sofrera de seus meio-irmãos George e Gerald, os 
sentimentos de culpa em relação à morte materna, a não superação 
da fase edípica, a inveja peniana, foram considerados argumentos 
e fórmulas para explicar seus complexos estados mentais a partir 
de suas vivências traumáticas22-24
. Não são raras as formulações de 
que Virginia escolheu tornar-se maníaco-depressiva como forma de 
sobrevivência23,24
.Neste momento, cumpre lembrar as questões metodológicas levantadas por Karl Jaspers na segunda parte do primeiro 
volume do seu Psicopatologia geral, sobre psicologia compreensiva. 
Lá, discorre sobre os limites da compreensão psicológica e o que ele 
chamou de pseudocompreensão psicológica15
. Quando falha nossa 
capacidade de compreender os motivos dos comportamentos patológicos, deve-se então explicá-los.
Apenas muito recentemente Caramagno22 
descreveu com detalhes uma impressionante análise da frequência de transtornos de 
humor na família de Virginia. Seu avô, pai, mãe, irmã (a pintora Vanessa Bell), irmão (Thoby), primo e sobrinho apresentavam diferentes 
quadros dentro do espectro bipolar, incluindo depressões recorrentes, 
ciclotimia e manias francas20
,o que aponta para a explicação baseada 
na predisposição de natureza hereditária.
Mas mesmo quando se explicam seus problemas mentais, ainda 
assim não se reduz a grandeza da sua humanidade. Retornando à 
questão da criatividade, foi espantosa a capacidade de Virginia em 
não apenas se lembrar de seus episódios psicóticos, mas de transformar suas vivências em matéria-prima para literatura20,21
.
Para tornar Septimus mais simpático ao público, Virginia coloca 
que ele enlouqueceu por um choque emocional na Primeira Guerra 
Mundial. A guerra havia acabado há pouco e essa Inglaterra entre 
as duas guerras ainda tinha muito marcada a lembrança de seus 
mortos. Mas não apenas por razões literárias a autora coloca a gênese 
da loucura de Septimus como uma resposta a um evento traumático 
externo. Virginia acreditava piamente na importância dos eventos 
vitais como causadores de suas crises25
.
Aqui se verifica a importância da compreensão de um paciente, 
mesmo após diagnosticado e explicado corretamente o seu problema. Cada paciente é único na maneira de reagir à sua doença e na 
maneira de concebê-la e no uso que fará dela na sua vida. Vejamos 
como Virginia elaborou os seus problemas25
.
Sua primeira crise ocorreu após a morte da mãe, Julia, em 1895, 
aos 13 anos.
Em “O velho grupo de Bloomsbury” publicado em Momentos 
da vida26
, descreve sua segunda crise em 1904 como decorrente das 
importantes perdas familiares que sofreu na casa onde nasceu:
“Ali nós quatro nascemos; ali minha avó morreu; ali minha mãe 
morreu; ali meu pai morreu; ali Stella ficou noiva de Jack Hills... 
após três meses de casamento ela também morreu... Quando eu 
me recuperei da doença, que foi naturalmente, o resultado de todas 
essas emoções...” 
Embora a maior parte dos psiquiatras (alienista era o termo mais 
usado na época) consultados tenha feito adequadamente o diagnóstico de doença maníaco-depressiva, a única orientação possível era 
afastar-se ao máximo da vida agitada de Londres27
.
A última crise de Virginia antes do suicídio foi precedida de uma 
situação existencial extrema.
Principalmente no sul da Inglaterra, bombardeada continuamente, temia-se uma invasão alemã. Desde maio e junho de 1940, o casal 
discutia com amigos o que fariam se essa ameaça se concretizasse.
No segundo volume de sua autobiografia5
, Leonard Woolf, judeu, 
sabia o que o esperava e à sua mulher: “Nós concordamos que se 
isso ocorrer nós fecharemos a porta da garagem e nos mataremos”. 
O irmão de Virginia, Adrian Stephen, psicanalista, já havia provido 
o casal de doses letais de morfina para usar caso ocorresse a invasão 
alemã. Os Woolf consideravam que a capitulação significaria a morte 
para todos os judeus e sabiam que ambos estavam na lista negra da 
Gestapo para imediata prisão28
.
Virginia mostra em Septimus todos os sintomas de um quadro 
maníaco psicótico. Os pensamentos de Septimus são grandiosos a 
respeito de si mesmo, o maior homem da humanidade, o responsável 
pela fundação de uma nova religião que iria renovar a sociedade, 
devendo trazer “a maior mensagem do mundo”. Apresentando 
sintomas delirantes persecutórios e de autorreferência, podia ver 
o pensamento das pessoas e as mentiras que levantavam sobre ele, 
seus gestos e rostos zombeteiros. Ele apresentava alucinações visuais em que via a face de uma velha mulher entre as flores e cães se 
transformando em homens. 
Em 1904, Virginia descreve ter escutado os pássaros cantando 
em grego pedindo-lhe que fizesse loucuras, enquanto o rei Eduardo 
lhe dirigia palavras obscenas entre as flores. Os pássaros de Septimus 
também lhe falarão em grego 20 anos depois. 
Tal qual Virginia, Septimus recebe a orientação de repouso na 
cama, repouso e solidão, outras vezes os médicos lhe dizem que deveria distrair-se. A imagem que Virginia oferece dos psiquiatras não 
era nada elogiosa. Eram famosos, vaidosos e autoritários, cobravam 
muito caro e tinham pouco a oferecer, além de recomendar repouso 
e internação27
.  
Sir George Savage, Sir Maurice Craig, Theophilus Hyslop (todos 
do Bethlem Hospital) e uma das pioneiras entre as mulheres a exercer 
a psiquiatra, Octavia Wilberforce, foram várias vezes, e em épocas diferentes, consultados pelos Woolf durante as crises, e principalmente 
por Le-onard, que temia ter filhos, numa época em que as teorias de 
degeneração e eugenia eram comuns27
.
Tal qual Virginia, Septimus ouvira de seu médico a mesma 
recomendação de repousar, sem visitas e sem livros, seis meses de 
repouso “até que um homem que nos chega com cinquenta quilos 
saia pesando oitenta”. 
“Os homens não devem cortar as árvores. Há um Deus (anotava 
tais revelações nas costas de envelopes). Mudar o mundo. Ninguém 
mata por ódio... Um pardal, pousado na grade em frente piou ‘Septimus, Septimus’, quatro ou cinco vezes, e, cascateando as suas notas, 
continuou a cantar alto, com frescor, em palavras gregas, que o crime 
não existe, e, tendo chegado outro pardal, cantavam ambos, com voz 
prolongada e penetrante, em grego...
A gaveta da mesa estava cheia daqueles escritos; sobre a guerra; 
sobre Shakespeare; sobre grandes descobertas; sobre a inexistência 
da morte. Ultimamente, excitara-se de súbito, sem motivo algum... 
e agitara as mãos, gritando que conhecia a verdade. Que conhecia 
tudo! Aquele homem, o amigo morto, Evans, tinha voltado, dizia. 
Estava cantando por detrás do biombo. Ela escrevia o que ele falava. 
Algumas coisas eram muito bonitas; outras, verdadeiras tolices.


E sempre parava no meio e mudava de ideia; desejava acrescentar 
algo; ouvia algo novo; escutava com a mão no ouvido”7
.
Septimus Warren Smith comete suicídio atirando-se da janela 
de sua casa da mesma forma como Virginia o fizera sem sucesso 
alguns anos antes. 
Conclusão
A relação entre criatividade e doença mental, particularmente transtorno bipolar do humor, é bastante explorada na literatura psiquiá-
trica, de forma sistemática, há pouco mais de 20 anos29
A criatividade como traço genético e facilitador da concepção 
artística em pacientes bipolares encontra em Virginia Woolf um de 
seus exemplos mais emblemáticos.
Em vários de seus escritos, mas em particular no romance Miss 
Dalloway, aqui abordado, Virginia recria em seu personagem Septimus alterações psicopatológicas que a própria autora vivenciara em 
suas fases da doença bipolar. 
A possibilidade de transformar momentos de profundo sofrimento psíquico e de graves alterações psicopatológicas de Virginia 
Woolf em arte faz de seu Miss Dalloway uma das mais importantes 
páginas literárias dessa relação instigante
Referências
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2004.
2. Lehmann J. Virginia Woolf. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora; 1989.
3. Woolf V. O quarto de Jacob. São Paulo: Novo Século Editora, 2008. 
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Rev Méd Chile. 2005;133:1381-8.
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1939 to 1969. Washington: Harvest Book; 1989.
6. Cunningham M. As horas. São Paulo: Companhia das Letras; 1998.
7. Woolf V. Mrs Dalloway. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1980.
8. Bloom H. Gênio: os cem autores mais criativos da história da literatura. 
Rio de Janeiro: Objetiva; 2002.
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[entrevista com Virginia Nicholson]. El Pais. 2008.
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11. Mumford L. Technics & civilization. New York: Harvest Books; 1963.
12. Santo Agostinho. Confissões. São Paulo: Paulus; 1984. 
13. Gilles MA. Henry Bergson and British modernism. New York: McGill-
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14. Nobre de Melo AL. Psiquiatria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 
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Editions; 1977.
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Woolf. New York: Transaction Publishers, 2006. 
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authors. Cambridge: Maior  Books; 1998. 
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doctors. London: Junction Books; 1981.
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29. Andreasen NC. Creativity and mental illness: prevalence rates in writers and their first-degree relatives. Am J Psychiatry. 1987:144:1288-92.                                                                         




quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ata encontro de Junho

No dia 01º de julho o grupo reuniu-se no Donuts na Padre Café para discutirmos sobre o livro Amor Líquido do sociólogo Zygmunt Bauman. No encontro estavam presentes: Carla, Marcos, Pauliane e Raphael. Também recebemos a visita do José Carlos, que leu o nosso blog e entrou em contato para que pudesse participar da discussão do livro. Além disso, a Mônica, que também está interessada em participar do grupo, não pode comparecer por motivos de força maior, mas fez questão de enviar suas observações em relação ao livro através de um texto escrito pela mesma bastante interessante.

O próximo encontro será realizado em 05 de agosto no mesmo lugar do encontro de junho. Discutiremos a obra de Virgína Wolf, Mrs.Dalloway, obra que foi escolhida pelo grupo como obra semestral no encontro do início do ano.


Como o próprio Bauman afirma: "A vida é maior que a soma de seus momentos."