segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Para uma breve nota sobre a próxima leitura do grupo, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto (2005), vale começar pela epígrafe do primeiro capítulo, onde o romance já nos mostra a que se propõe: “Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras. Mas só há duas nações – a dos vivos e a dos mortos” (COUTO, 2005, p. 13). A percepção do escritor ao reconhecer o caráter híbrido das culturas nos aponta que estas, longe de serem monolíticas, adotam elementos linguísticos e culturais de diversos povos, e que buscam ultrapassar as fronteiras nacionais e suas pretensões imperialistas.
No romance, um jovem universitário precisa voltar à terra natal para o funeral do avô, cuja morte, na verdade, ainda não está completa. Após anos de ausência, o neto favorito é incumbido então de estar à frente de uma cerimônia fúnebre que esconde desígnios além da compreensão dos homens.
É nesse sentido que Mia Couto propõe outra percepção dos espaços – outras fronteiras –, onde a fluidez narrativa demonstra que a ficção não é necessariamente o contrário do verdadeiro, mas é capaz de apontar verdades até então encobertas pelas verdades históricas. Assim, ao romper com os limites do discurso racional do colonizador, o escritor moçambicano procura reinventar Moçambique, incorporando-lhe o vigor cultural de uma África que os séculos de dominação haviam tentado enfraquecer.
         Certamente a arrogância do pensamento moderno e civilizado, cercado de certezas que a tecnociência passou a sustentá-lo, deixou de lado o interesse pela totalidade, passando a se concentrar no estudo do fragmento e supondo que, por meio deste, alcançaria uma maior objetividade, própria do fazer científico. Com isto, considerou magias e mitos como algo irracional e irrelevante para o entendimento da vida social, visto como material descartável e criado pela mente obscura de primitivos que teimam em não ingressar no curso da história.
       Não é por menos que na citação: “sou como a palavra: minha grandeza é onde nunca toquei” (COUTO, 2005, p. 255), Mia Couto nos instiga o redimensionamento dos espaços e das paisagens que ocupam a geofísica de Moçambique. Em outras palavras, essa citação poética nos sugere que a nação, ao definir um espaço que seja seu e um outro que seja adverso, afirma-se de forma arbitrária, pois desconsidera que o homem não estabelece fronteiras em sua sensibilidade e nem tampouco em seu ir e vir.

Eis, portanto, uma boa reflexão para a leitura de janeiro... Paulo Tostes

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