sexta-feira, 18 de março de 2011

Obama no Brasil

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chega ao Brasil neste sábado de olho em abrir mercados para as suas exportações e garantir seu abastecimento energético, do qual é absolutamente dependente. Esta é a opinião de Luiz Alberto Moniz Bandeira é doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e professor titular aposentado de história da política exterior do Brasil, no Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB).
O Brasil, afirma, deve se tornar uma das maiores fontes de petróleo, com a exploração das reservas do pré-sal. "Com a instabilidade no Oriente Médio, a possibilidade de que o Brasil possa suprir suas necessidades é fundamental para os Estados Unidos", afirmou Moniz Bandeira.
O historiador é autor de mais de 20 obras, entre as quais "Presença dos Estados Unidos no Brasil, Brasil, Argentina e Estados Unidos", "De Martí a Fidel", "As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos". Em abril será lançada pela editora Civilização a terceira edição do livro "Brasil-Estados Unidos: A rivalidade emergente".

Leia a íntegra da entrevista:
Folha: Qual o significado da visita do presidente Obama neste momento?

Luiz Alberto Moniz Bandeira A importância econômica e política global do Brasil aumentou muito nos anos de governo do presidente Lula e os Estados Unidos não podem deixar de reconhecê-la. É o que significa, essencialmente, a visita de Obama. Os Estados Unidos e o Brasil são as duas maiores massas econômicas, as duas maiores áreas geográficas e as duas nações mais populosas do hemisfério. E têm necessariamente de manter relações maduras, respeitando as divergências e colaborando nas áreas onde houver maior convergência.

O que querem os EUA e o que quer o Brasil hoje, 50 anos depois da Aliança para o Progresso?
O maior interesse dos Estados Unidos, no momento, é abrir mercados para as suas exportações e garantir seu abastecimento energético, do qual é absolutamente dependente. E o Brasil não só apresenta um grande potencial de crescimento como também deverá tornar-se uma das maiores fontes de petróleo, com a exploração das enormes reservas existentes nas camadas pré-sal, ao longo de uma área de 112 mil quilômetros quadrados, do litoral do Espírito Santo ao de Santa Catarina. O volume ainda é indefinido. Somente foram avaliadas as áreas de Tupi e de Iara, na Bacia de Santos, e a do Parque das Baleias, na Bacia de Campos, litoral do Espírito Santo. A estimativa é de um volume mínimo de 9,5 bilhões de barris, que poderá atingir 14 bilhões, dobrando virtualmente as atuais reservas do Brasil, da ordem de 14 bilhões de barris. Com a instabilidade no Oriente Médio, a possibilidade de que o Brasil possa suprir suas necessidades é fundamental para os Estados Unidos.


Quais devem ser os temas que importam? China, crise global, pré-sal, protecionismo, propriedade intelectual, bases na Colômbia, caças, Irã?
O presidente Obama, de certo, tentará convencer a presidente Dilma Rousseff que a China é responsável e que sua moeda o yuan, desvalorizada constitui maior problema para o Brasil do que para o os Estados Unidos. Entretanto, em 2010, a China conseguiu um superavit comercial de US$ 181 bilhões no comércio com os Estados Unidos, ao contrário do que ocorreu no comércio com o Brasil, um deficit de cerca de US$ 7 bilhões no mesmo ano. A verdade, porém, é os Estados Unidos, para aumentar a competitividade de suas exportações, tratam de desvalorizar o dólar, e isto que acarreta a desvalorização que a China vinculou ao dólar. Provavelmente Obama alimenta a pretensão é alinhar o Brasil com os Estados Unidos, mas é difícil consegui-lo. A China provavelmente já o maior investidor estrangeiro no Brasil. Em 2010 a Câmara do Comércio Brasil-China previa que os investimentos chineses no Brasil alcançassem o volume de US$ 25 bilhões, até o fim do ano.


Do ponto de vista das empresas brasileiras (industriais e agrícolas) a relação com os EUA pode caminhar para que tipo de mudança?
Não creio que possa haver maior mudança. Devido aos imensos déficits comercial e fiscal e uma dívida pública que cresce US$ 4,09 bilhões, por dia, desde 28 de setembro de 2007 e ultrapassa US$ 14 trilhões virtualmente igual ao valor do seu PIB, da ordem de US$ 14,72 trilhões (2010) o interesse dos Estados Unidos não é importar, mas exportar mais e mais. Necessita reduzir seu deficit comercial, que saltou de US$ 40,3 bilhões, em dezembro de 2010, para US$ 46,3 bilhões em janeiro de 2011. E, aumentando suas exportações, os Estados também pode conter a alta de desemprego, que em fevereiro subiu para cerca de 8,9%.


No Brasil o antiamericanismo hoje é maior, menor ou igual ao de épocas passadas?
Não como avaliar o antiamericanismo no Brasil. É necessário entender que a defesa dos interesses nacionais não significa antiamericanismo. Ao contrário do que proclamou o chanceler Juracy Magalhães, no governo do presidente Castelo Branco, o que é bom para os Estado Unidos nem sempre é bom para o Brasil. O Brasil e os Estados Unidos têm, sem dúvida, contradições de interesses, enquanto Estados nacionais, assim como convergências. As relações entre os dois países nunca não foram tão suaves, como geralmente se supõe. No século 19, o governo brasileiro suspendeu três vezes (1827, 1847 e 1869) suas relações diplomáticas com os Estados Unidos, apesar de, desde 1848, já destinasse ao mercado norte-americano a maior parte de suas exportações, principalmente de café. O relacionamento entre os dois países só melhorou a partir de 1870, quando o Brasil se tornou extremamente dependente das exportações de café e o café, do mercado americano.


Como o sr. avalia a situação econômica e política dos EUA hoje?
A situação econômica e financeira dos Estados Unidos é muito ruim e dificilmente Obama poderá superá-la. É similar à da Grécia e alguns outros Estados na União Europeia. Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar na lista dos países com a maior dívida externa líquida do mundo. Em 30 de setembro de 2010 sua dívida externa bruta somava cerca de US$ 14,3 trilhões, praticamente igual ao valor de seu PIB. A vantagem dos Estados Unidos consiste no fato de que o dólar é ainda a moeda fiduciária (fiat currency), a moeda internacional de reserva.


O sr. concorda com a avaliação de que Obama cedeu aos interesses do mercado financeiro e deve ter problemas na reeleição? Em que ele se diferencia de Bush?
O presidente Obama cedeu a todos, ao mercado financeiro, aos neoconservadores, que continuam a dominar a máquina do Estado americano, ao complexo industrial-militar etc. A secretária de Estado Hillary Clinton a ele se sobrepõe na política exterior. E até agora Obama quase nada cumpriu do que prometeu na sua campanha eleitoral. Sua política, na essência, é a mesma da que realizou o presidente George W. Bush. A diferença está no estilo e na tonalidade. Ambos defendem os interesses imperiais dos Estados Unidos.


O que o sr. perguntaria a Obama?
Não vou conversar com o presidente Obama. Nada, portanto, tenho a perguntar.


Fonte: Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mundo/890640-obama-quer-mercado-e-petroleo-no-brasil-diz-historiador.shtml. Acesso: 18/03/2011

Um comentário:

  1. Realmente a visita do presidente americano foi o evento mais importante dos últimos meses, pois marca um certo redirecionamento da política externa americana.Muito clara foi as respostas do entrevistado. Cada vez mais se tornando uma região de incertezas políticas (o Oriente Médio), a política externa americana volta os olhos para a América Latina. Como bem disse o professor, o Brasil , depois dos EUA é o país mais populoso das Américas com vários interesses de mercado e de produtos. É um desafio da política externa brasileira, saber colocar e defender seus interesses comerciais, já que a política externa americana, pela importância do Brasil no cenário internacional, se apresenta um pouco de forma diferenciada, ainda que procure valer dos seus principais interesses.

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