domingo, 3 de julho de 2011

Crítica do Livro Leite Derramado, de Chico Buarque

Por Júlia Rónai

Falar sobre o livro leite derramado de Chico Buarque é complicado por dois motivos principais: o primeiro é o fato de que bastante já foi escrito a respeito, na época do lançamento no inicio do ano. O segundo é a dificuldade que se tem de separar uma obra específica do corpo da obra do autor. No caso de compositor, suas músicas são tão conhecidas - e amadas - por nós cariocas que é difícil manter a objetividade lendo seu livro. O desafio é apresentar uma visão original, que seja realmente sobre este livro, não sobre seu autor.

De qualquer forma, mesmo uma crítica que se pretenda original deve reconhecer aquilo que outros críticos já escreveram. No jornal O Globo o livro foi comparado com “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, e de fato, ao folhear suas páginas, é fácil perceber nelas notas do romance de Machado de Assis. Leite Derramado conta a história de um velho senhor que, no leito do hospital, aparentemente todas as noites, conta suas memórias de forma truncada, ora para uma enfermeira, ora para sua filha. “...o caminho para o sono é um corredor cheio de pensamentos”, nos diz o autor na página 08 do livro. E assim Chico Buarque traça as linhas de seu romance, como um caminho cheio de pensamentos. Esses pensamentos nem sempre são organizados de forma coerente. Muitas vezes o personagem principal se desmente, se repete, se perde em corredores de memórias confusas. O mais interessante dessa linguagem é que ela retrata a decadência daquele que conta a história de forma não direta, não óbvia. Embora o personagem nos conte glórias de seu passado familiar, podemos entrever por seu modo de falar e por sua confusão, pistas que nos revelam seu real estado.

Alguns criticos salientaram o aspecto histórico presente no livro. Através dos antepassados dos personagens, a história recente do Brasil fica evidenciada. Destaca-se aí a participação dos personagens negros, escravos e ex-escravos. Embora isso seja um traço presente na narrativa, não o vejo como algo tão essencial, que mereça o destaque que teve em outras resenhas.

As letras de Chico são indubitavelmente geniais. E genial não é uma palavra que deva ser usada levianamente. Talvez esse seja justamente o maior problema de Leite Derramado. Se o livro fosse lido como o romance de um autor desconhecido, ele seria um livro fabuloso. O problema é que o livro não foi escrito por um desconhecido. Foi escrito por Chico Buarque. E por isso espera-se a mesma genialidade no romance que podemos ler nas letras de suas músicas. E, ainda que a linguagem truncada, os aspectos históricos e a escrita em geral seja interessante, Leite Derramado não é genial. Não é um equivalente literário das músicas do compositor. E esse fato decepciona. Além disso, a repetição que acompanha todo o desenvolvimento da trama, embora eficaz para retratar o estado de embaralhamento da mente do ancião, torna a leitura penosa e falha em prender a atenção do leitor.

Fonte: Disponível em [http://www.pacc.ufrj.br/literatura/livros/leite_derramado.php]. Acesso em 03/07/2011

3 comentários:

  1. Realmente Leite Derramado não é e não pode ser entendida como uma obra genial. Para quem já leu e ler clássicos da nossa literatura ou da literatura universal como Machado de Assis ou mesmo os autores do realismo português ou russo a comparação é quase que inevitável, já que a obra traz algum traço dessas obras. Mas concordo, é preciso saber diferenciar o escritor do compositor. Um aspecto interessante na obra é uma análise social da sociedade carioca e brasileira em profundo estado de transformação em vários aspectos representados na família do personagem principal.

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  2. Entretanto discordo quanto a uma possível dificuldade na leitura do livro. O fluxo de (in)consciência adotado pelo autor é de certo modo muito incitante - e assim eficaz - quanto à tarefa de prender a atenção do leitor, que em meio ao emaranhado de memórias se vê intrigado por descobrir novos fatos e novas versões para a história. Eu gostei.

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  3. Gostei bastante do livro. Também não concordo quando afirma que a leitura é penosa e falha em aprender a atenção do leitor. A única dificuldade que senti em ler o livro foi a edição lançada em Portugal ser igual a que foi editada no Brasil, por vezes não é fácil perceber certas expressões. Quanto a mim, mais do que história do Brasil, o livro vale pelo facto de questionar a nossa sociedade, o que o torna num livro universal. Ao longo do livro Chico fala de diversas classes da sociedade e falo, quanto a mim, de uma forma explendida.

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