segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Conto: Preciso Escrever, de Raphael Reis (inédito)

Preciso Escrever[1]

“Não chegar ao fim é o que faz a tua grandeza.” Goethe

O jovem casal passeava pela bela Igreja, fundada pela Ordem Terceira de São Francisco, que levava o nome do santo medieval. A Igreja barroca revelava um pouco do século XVIII e a decadência do ouro nas Minas Gerais, visto que seus altares não receberam o dourado, a não ser o altar principal.
Olhavam toda aquela quantidade de informações, admirados pela arte barroca e pela estátua do mestre Aleijadinho, principalmente a de São João Evangelista, avaliada em 2 milhões de reais.
Após dezenas de fotos, caminharam em direção ao passeio da Maria Fumaça. No museu da Estação Ferroviária, eles observaram os relógios e os telefones antigos, e lembraram-se dos “causos” dos avôs. Depois visitaram o Memorial Dom Lucas...
– Filha, não tem jeito. Não consigo escrever e nem dar continuidade... Por favor, me ajude! Lamentava o escritor Ítalo.
– O que aconteceu, pai?
– O editor da revista me ligou agora mesmo perguntando se o conto estava pronto e eu lhe disse que estava terminando, porém eu não consigo dar continuidade a nenhuma história. A publicação é para amanhã e eu tenho que entregar alguma coisa até hoje à noite.
– Chiii, pai, você está enrolado, hein?!
– Obrigado por me lembrar disso...
Enquanto Ítalo rascunhava algumas folhas que paravam diretamente na lixeira, sua filha Beatriz ficou pensando em alguma ideia que poderia ajudar o pai a construir um conto interessante.
– Este aqui, exatamente o que meu pai precisa. Pai, este livro é o que você mais gosta; o velho e bom Dom Quixote!
– E...
– Por que você não inventa um capítulo a mais e diz que este foi encontrado em uma biblioteca e que você é o único que tem essa informação? Pode ser um caminho...
Ítalo levantou-se da cadeira, deu um beijo na fronte da filha e exclamou que ela era um gênio. Logo, sentou-se de novo, passou a mão em uma das folhas e começou a escrever:
Até o momento se crê que a história de Dom Quixote é uma ficção e quem a escreveu foi Miguel de Cervantes. Na verdade, toda aquela história aconteceu e quem é o autor do livro é Sancho Pança, o próprio.
Explico-me: tudo foi artimanha do esperto Miguel de Cervantes, que foi o primeiro a ter contato com as aventuras e as publicou em dois volumes, um em 1605, e outro em 1615.
Após a morte real de Dom Quixote, o camponês Sancho Pança narrou as aventuras dos dois para Miguel de Cervantes que, muito habilmente e astuto como sempre, as escreveu em papel e fez as adaptações necessárias.
Posso afirmar ao que foi exposto empiricamente: encontrei uma carta escrita pelos punhos de Miguel de Cervantes em sua antiga casa em Alcalá, datada em 1616, na qual afirma minha versão, dias antes de falecer.
– Ridículo, ridículo! Não tem jeito, hoje estou sem inspiração. Não vai sair nada.
Ítalo amassou os rascunhos e mais uma vez os jogou fora. Sempre que necessitava de momentos de criatividade, dirigia-se para um gostoso banho de água quente; sempre vinham boas ideias. E foi isso que fez. Lembrou-se da história da Maria mata o boi e tira o couro, contada por sua avó, mas quando começaram a surgir os insights, ocorreu uma crise de consciência ambiental, que interrompeu o fluxo de ideias. Saiu do banho frustrado.
Ao cruzar pela sala, deparou-se com o filho que acabava de chegar da rua.
– Pai, a mana já me disse o que está acontecendo. Vai por mim, escreve um livro de auto-ajuda que pelo menos você vai ganhar dinheiro! Os filhos caíram na gargalhada.
– Bruno, nem preciso comentar... Bem, que o título eu já teria uns três, no mínimo: Vivendo com Sabedoria, Como ter Sucesso na Vida e, por último, o mais sensacional, Como ser Feliz e ficar Rico!
– Bem, acho que você está precisando de um, com o título: Fonte de inspiração para escrever contos, complementou a filha Beatriz aos risos.
Os três começaram a rir. Contudo, Ítalo não quis mais conversa com ninguém e saiu da sala, buscando o encontro consigo mesmo. Debruçou-se no parapeito da varanda e contemplou um passarinho flutuando pelo ar, até parar em uma das árvores que dava de frente para sua casa. Aquele simples passarinho, que muitos não dão importância, revelava a boniteza e a tranqüilidade, em contraponto à correria e impaciência do centro das cidade.
Pensou, pensou; pensou numa história que envolvesse um romance no contexto da Idade Média. O cenário seria um castelo e um romance proibido entre um cátaro e uma católica, porém logo descartou essa possibilidade que, em outras palavras, já fora escrita.
A noite chegou e, mais calmo, sentou-se em frente ao computador, no silêncio da casa, pois todos já estavam dormindo. Começou a escrever:
Naquela madrugada de inverno russo, Fiodoroevski foi acordado de súbito pelos soldados tsaristas. Foi condenado ao fuzilamento por grave crime de traição política à realeza. Levado a uma das praças que cerca seu bairro, foi preso a um dos postes, tendo como visão a neve. Neste instante fatídico, sentiu o gélido cano do revólver do soldado em sua nuca, o seu fim estava iminente. O arrepio da morte passou pelos seus pensamentos mais secretos: “como gostaria que um milagre acontecesse em minha vida e se Ele não me deixasse morrer”, disse para si mesmo Fiodoroevski, em tom de esperança.
Ali estava ele, ajoelhado e olhando para a neve, esperando a morte cronometrada, se não fosse o simples fato que mudaria toda a sua vida...
Com o avançar das horas, Ítalo adormeceu, e infelizmente não pude presenciar o final, mas o leitor astuto o saberá.


[1] Este conto foi publico no dia 19/12 no blog do Prazer da Leitura, inscrito no seguinte endereço: www.grupoprazerdaleitura.blogspot.com, por acasião do encerramento das atividades do grupo no ano de 2011.

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