domingo, 9 de outubro de 2011

O que é existencialismo?

Sabe-se que a rubrica “existencialismo” foi uma invenção da mídia francesa para dar nome a um movimento intelectual surgido no pós-guerra – a bem da verdade, ao que se tomou por um movimento, pois isso, ao menos no início, não esteve em questão para os autores. O termo, ainda que Sartre o julgasse mais tarde “idiota”, não deve ter-lhe parecido assim tão absurdo, pois o próprio Sartre dele se serviu em escritos menores (por exemplo, no texto daquela célebre conferência “O existencialismo é um humanismo”, que foi, por sinal, renegada por ele); e o mesmo fez Merleau-Ponty, publicando na recém-criada Les Temps Modernes alguns pequenos artigos sobre o assunto (“A querela do existencialismo”, “O existencialismo em Hegel” etc.). A bem da verdade, Merleau-Ponty preferiu mais tarde adotar uma outra rubrica, a “filosofia da existência”; com isso, ele pretendia não tanto marcar identidade própria, já que, com o tempo, o existencialismo terminou por confundir-se com a doutrina de Sartre, mas sobretudo abrir o horizonte para além da cena francesa do momento; mais do que isso, pretendia mostrar que a filosofia da existência é o traço distintivo de todo o pensamento moderno: menos que uma doutrina particular, uma doutrina entre outras (uma doutrina apropriada, como se diz ainda hoje, às angústias daqueles tempos ferozes), o existencialismo francês apenas retoma uma tarefa que é própria dos Tempos Modernos.
São esses os nossos tempos – o que Sartre e Merleau-Ponty já indicavam pelo título da revista criada por eles – e o seu começo remonta, ao contrário do que possa parecer, não a Descartes, embora em Descartes uma virada decisiva tenha se produzido com o aparecimento da subjetividade (em sentido estrito, ignorada pelos antigos e medievais), tão decisiva que toda a filosofia, ainda hoje, não pode ignorá-la, como não podemos ignorar uma espinha de peixe cravada em nossa garganta; mas não é ainda Descartes que define as tarefas que são as nossas, pois, se ele é o descobridor da moderna subjetividade, ele ainda a faz apoiar-se em um pensamento do infinito: se, por exemplo, Descartes tematiza a percepção, é menos para mostrá-la em sua contingência e finitude do que para pensá-la segundo um critério que a ultrapassa. Na formulação de Foucault, a questão colocava-se para os clássicos (Descartes entre eles) da seguinte maneira: dado que a verdade é o que é, como acontece de perceber como percebemos. A questão dos Tempos Modernos, ao contrário, começa por dar um sentido positivo à finitude.
O começo dos Tempos Modernos, aqueles de que o existencialismo se julga herdeiro, se encontra em Hegel, que, como se sabe, era uma obsessão naqueles dias – um Hegel, é verdade, aclimatado pelos célebres cursos de Kojève, dos anos 1930, e sobretudo o primeiro Hegel, o da Fenomenologia do espírito. Foi esse o primeiro passo a infletir a filosofia em uma direção que permanece, para o existencialista, a nossa direção, pois foi ali que apareceu um novo conceito de razão, uma razão alargada, capaz de explorar o irracional, o contingente, o singular; a tarefa que os existencialistas se davam (e que é ainda a nossa tarefa) é hegeliana: trata-se de explorar e integrar o irracional a uma razão mais alargada, mais compreensiva que o entendimento, e não será surpresa se, no final das contas, a filosofia tiver de abandonar a idéia de uma esfera própria e realizar-se na não-filosofia. Que se tome o conceito de experiência em operação na Fenomenologia do espírito: ele deve incorporar todas as manifestações do espírito, as que residem tanto nos costumes, nas estruturas econômicas, nas instituições jurídicas, quanto nas ciências; ele deve incorporar a experiência moral, estética, religiosa e deve fazê-lo de modo a revelar sua lógica imanente, em lugar de subsumi-la, por encadeamento, a uma construção conceitual. Daí porque Hegel interessava tanto aos existen-cialistas: ao recobrar para a experiência essa dimensão, ele abria a via para revelar o que ela tem de metafísica. A questão que se coloca já não é, como em Kant, a de saber quais as condições de possibilidade de uma experiência, que é, em Kant, puramente científica e cujo correlato é o mundo das ciências da natureza, mas a de revelar as condições de realidade da experiência efetiva, da experiência humana em todos os seus setores.

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Fonte: MOUTINHO, Luiz Damon Santos. O que é Existencialismo. Revista Cult, março de 2010.[http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/o-que-e-existencialismo/]. Acesso: 09/10/11

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